Como se estivesse em um confessionário, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva abriu o coração a um seleto grupo de padres e dirigentes
de entidades religiosas no auditório de seu instituto, anteontem, em São
Paulo. Em tom de desabafo, criticou duramente a presidente Dilma
Rousseff e creditou ao governo dela, sobretudo no segundo mandato, a
crise vivida pelos petistas. Para Lula, a taxa de aprovação da
companheira está no “volume morto”, numa referência à situação hídrica
paulista, e, com o silêncio do Planalto, o “governo parece um governo de
mudos”. O ex-presidente admitiu ainda que é “um sacrifício” convencer
sua sucessora a viajar pelo país e defender sua gestão.
— Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu
estou no volume morto. Todos estão numa situação muito ruim. E olha que o
PT ainda é o melhor partido. Estamos perdendo para nós mesmos — disse
Lula.
Para ilustrar a profundidade do poço em que se meteu o PT, Lula citou
uma pesquisa interna do partido, que revela que a crise se instalou no
coração da legenda, o ABC Paulista. Muito rouco, o ex-presidente dizia
coisas como “o momento não está bom” e “o momento é difícil”.
— Acabamos de fazer uma pesquisa em Santo André e São Bernardo, e a
nossa rejeição chega a 75%. Entreguei a pesquisa para Dilma, em que nós
só temos 7% de bom e ótimo — disse Lula aos religiosos.
Ele afirmou ter dito à presidente: “Isso não é para você desanimar,
não. Isso é para você saber que a gente tem de mudar, que a gente pode
se recuperar. E entre o PT, entre eu e você, quem tem mais capacidade de
se recuperar é o governo, porque tem iniciativa, tem recurso, tem uma
máquina poderosa para poder falar, executar, inaugurar”.
Na mesa, os mais de 30 participantes do encontro, entre eles o bispo
dom Pedro Luiz Stringhini, não deram trégua ao ex-presidente. Sobraram
críticas para o PT, o governo, o próprio Lula e seu pupilo, o prefeito
de São Paulo, Fernando Haddad. Os religiosos defenderam que o partido
volte à antiga liturgia e se aproxime mais dos trabalhadores.
Lula concordou com a tese, dizendo que os petistas trocaram a discussão da política pela do mandato.
A reunião faz parte da estratégia do partido de tentar se reaproximar
de sua base social. O interlocutor da ala religiosa é o ex-ministro
Gilberto Carvalho, mencionado diversas vezes por Lula, em seu discurso
de mais de 50 minutos, para exemplificar como o governo Dilma perdeu o
contato com os movimentos sociais. Lula cobrou da presidente, e tem
feito isso em outras reuniões reservadas, uma agenda positiva e mais
exposição pública. Para o petista, Dilma deixou o governo mais distante
dos mais pobres.
— Na falta de dinheiro, tem de entrar a política. Nesses últimos
cinco anos, fizemos muito menos atividade política com o povo do que
fizemos no outro período — disse ele, citando as conferências nacionais
com grupos sociais:
— Isso acabou, Gilberto!
Lula reclamou que Dilma tem dificuldade de ouvir até mesmo os conselhos dados por ele:
— Gilberto sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira
Dilma viajar e falar. Porque na hora que a gente abraça, pega na mão, é
outra coisa. Política é isso, o olhar no olho, o passar a mão na cabeça,
o beijo.
Nesse ponto da conversa, o ex-presidente fez questão de ressaltar:
falar com a população não é “agendar para falar na televisão”.
Durante a reunião, Gilberto Carvalho, que saiu do núcleo central do
governo Dilma depois de muitas críticas à atuação da equipe da
presidente, concordava com Lula, completava frases e assentia com a
cabeça enquanto o ex-presidente subia o tom:
— Aquele gabinete (presidencial) é uma desgraça. Não entra ninguém
para dar notícia boa. Os caras só entram para pedir alguma coisa. E como
a maioria que vai lá é gente grã-fina... Só entrou hanseniano porque eu
tava no governo, só entrou catador de papel porque eu tava no governo —
disse Lula, que completou:
— Essa coisa se perdeu.
Lula revelou o quem tem conversado com Dilma nos encontros privados.
Os dois têm feito reuniões em São Paulo, e a presidente só as informa na
agenda oficial depois que são realizadas. Ele disse que fala para a
presidente que a hora é de “ ir para a rua, viajar por esse país, botar o
pé na estrada”. Diz ainda que os petistas não podem temer as vaias. Uma
das armas para recuperar a combalida gestão, segundo ele, é investir na
execução do Plano Nacional de Educação. O problema seria, de acordo com
ele mesmo, que o próprio PT desconhece o conteúdo do plano.
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